Apesar de estar cercado de mitos e render opiniões diversas, especialistas garantem que os desejos alimentares das grávidas não só existem, como são muito comuns. Mesmo não havendo uma explicação única, alguns fatores podem ajudar a entender essa reação do organismo feminino e, ainda, alertar sobre possíveis problemas atuais ou futuros para a mamãe e o bebê.
Grandes modificações
Primeiramente, é preciso lembrar que, ao engravida e durante toda a gestação, o organismo da mulher passa por inúmeras mudanças (físicas e psicológicas). Para entender os desejos, precisamos considerar, principalmente, as alterações hormonais, emocionais e nutricionais.
Questões fisiológicas
Os hormônios hCG (Gonadotrofina Coriônica Humana) e a progesterona, liberados durante a gestação, são os principais responsáveis pelas alterações no apetite, no paladar e no pH (nível de acidacidez) da boca. “A alteração no paladar realmente acontece. Isto nos ajuda a entender o fato de algumas gestantes passarem a comer coisas de que não gostavam ou, até mesmo, recusavam-se a experimentar antes de engravidar”, esclarece o Dr. Alexandre Faisal, ginecologista e obstetra pós-doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
A administradora de empresas Frida Babi Waidergorn Cordeiro, de 31 anos, é um bom exemplo. “Eu estava com quase quatro meses de gravidez e tive um desejo quase incontrolável de queijo gorgonzola. Meu marido até duvidou de que eu comeria aquilo, já que nunca gostei nem do cheiro. E não é que eu devorei um pedaço enorme?”, revela a mamãe do pequeno Rafael César, de um mês de idade.
Alterações hormonais também podem estar relacionadas ao fato de essas vontades acontecerem com maior frequência no início da gravidez. “Estudos mostram que as mudanças no paladar, ligadas aos desejos ou rejeições, ocorrem de forma mais marcante até a 12ª semana de gestação – período em que acontece uma elevação muito rápida nos níveis de beta hCG, estrogênio e progesterona”, explica Lenita Zajdenverg, endocrinologista e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Ela faz, ainda, uma ressalva importante: “De qualquer forma, até o momento, os estudos em humanos não conseguiram responder o porquê, independente dos níveis circulantes desses hormônios, algumas mulheres têm essas alterações e outras, não”. Ainda durante o primeiro trimestre de gestação, a mulher costuma sentir um gosto metálico na boca, o que pode favorecer a preferência por frutas ácidas e alimentos
gelados. Acredita-se, também, que estes alimentos consigam amenizar os enjoos, muito comuns neste período.
Nutrição
Embora não exista comprovação científica, muitos acreditam que os desejos podem estar relacionados às carências nutricionais. Considerando esta possibilidade, o desejo por frutas pode estar ligado à falta de vitaminas, por exemplo. “Não há nenhum tipo de explicação pela ciência, mas a vivência nos faz crer que é possível. Eu acredito que seja algo ligado ao instinto, mesmo porque acontece de forma inconsciente. Quantas
vezes já ouvimos aquela frase ‘O corpo pede’?”, argumenta Cristina Grandjean, nutricionista do SPA Fazenda Igaratá.
Frida, que teve apenas três desejos durante toda a gravidez, serve de exemplo mais uma vez. “Meu outro desejo foi por palmito. E, talvez
por coincidência, aconteceu na mesma época em que eu estava sentindo cãibras. Algumas pessoas me disseram que o palmito era uma boa fonte de potássio e que as duas coisas poderiam estar relacionadas”, lembra a administradora.
A especialista do spa confirma: “Eu acredito que possa ter ligação, sim. Alguma coisa no inconsciente dela relacionou o palmito com o potássio sem que ela percebesse. Se existia uma pequena carência, ela poderia ter tido vontade de comer tomate ou laranja, por exemplo”. Contudo, Cristina ressalta que não se trata de uma regra, e que um desejo não deve ser motivo de preocupação. “Além de não haver comprovação científica, essas coisas são bastante individuais. Conheço inúmeras grávidas que nunca tiveram desejos, e outras que passaram pela situação diversas vezes sem ter nenhum tipo de problema nutricional.”
Para evitar qualquer carência nutricional e garantir uma gestação saudável, uma boa alimentação é indispensável. “A mulher precisa de
uma dieta equilibrada, a fim de disponibilizar todos os nutrientes para o feto em formação e, também, para suprir as próprias necessidades. A
ingestão de alimentos saudáveis (como as frutas, verduras, legumes e os cereais integrais) deve fazer parte da rotina diária da futura mamãe”,
orienta Carol Vaz, nutricionista especialista no atendimento às gestantes.
Segundo as nutricionistas, manter-se alimentada e cuidar para que nenhum nutriente falte na dieta é a melhor forma de evitar os desejos. “Para
driblar essas vontades repentinas, o ideal é conservarse saciada ao longo do dia, não permanecer por um grande intervalo sem comer e fazer
pequenos lanches entre as refeições principais”, ensina Vaz.
A substituição também pode ser uma alternativa. “Quando bater vontade de comer doce, opte por uma fruta. No caso dos salgados, experimente legumes temperados”, sugere Grandjean.
Emoções e sentimentos
Não é apenas o corpo feminino que sofre inúmeras mudanças durante o período gestacional. O psicológico também se prepara para a nova realidade de ser mãe. “É um momento muito importante na vida da mulher. É a hora em que ela assume um novo papel, um novo status
cheio de novas tarefas”, alega Luciana Manesco, psicóloga.
Embora a intensidade possa variar bastante para cada grávida, o mais comum é que elas sintam uma necessidade maior de atenção. Sendo assim, algumas vezes, os desejos podem ser uma forma de manifestar essa carência afetiva. “De alguma forma, ela estará testando a dedicação de todos que a cercam, principalmente do companheiro. É preciso entender que a adaptação à sua nova condição costuma gerar ansiedade, insegurança e até medo. É natural que ela queira se sentir amparada, amada e, muitas vezes, mimada”, esclarece Manesco.
Os testes com o futuro papai, principal vítima das vontades súbitas, vão além. “Existe uma insegurança também sobre o relacionamento do casal. A mulher passa a ter novas formas corporais e, mesmo que por um período determinado, pode se sentir menos bonita. Com isso, vem o medo de que o interesse do parceiro diminua”, completa.
Segundo Luciana, existe outro ponto a ser considerado. A gestante se permite a comer um pouco mais e a engordar alguns quilos. “A maioria das mulheres passa a vida toda tentando se adequar aos padrões de beleza, fazendo mil dietas. Durante a gestação, de certa forma, ela vai se sentir livre. Algumas vontades que sequer passavam pela sua cabeça podem ser aceitas e realizadas”, explica.
Mas, antes que os desejos sejam taxados como frescuras ou caprichos, Manesco defende: “É importante ressaltar que tudo isso é inconsciente. São necessidades, situações e explicações que nem mesmo a mulher consegue saber e entender”. Ainda de acordo com Luciana, carinho, atenção e paciência são as melhores dicas para os futuros papais. Para as mamães, o ideal é avaliar os próprios desejos e pedir carinho quando sentir necessidade. Juntos, é preciso apostar no diálogo. “Hoje em dia, falamos que o casal engravidou. As mudanças e descobertas são dos dois. É muito válido conversar sobre medos e inseguranças, dividir angústias e perceber que não estão sozinhos nesse novo desafio”, aconselha.
Atenção
Os desejos ocorrem de maneiras diferentes para cada gestante, mas, segundo Faisal, eles atingem cerca de 80% das mulheres.
Diante de uma incidência tão alta, é preciso estar atento a um possível distúrbio alimentar. “Existem algumas hipóteses para explicar esses desejos, mas é necessário saber diferenciá-los. Ter vontade de comer substâncias não-comestíveis (como terra, cinza, carvão ou cabelo) não deve acontecer. Pode ser indício de uma doença que chamamos de picamalácia”, alerta o ginecologista e obstetra.
O médico avisa, ainda, que a ingestão dessas substâncias, além de não trazer nenhum benefício, pode causar riscos à saúde da mamãe e do bebê. “No caso da picamalácia, será indispensável uma intervenção médica, com orientações nutricionais e, em alguns casos, uma avaliação psicológica.” Qualquer vontade fora do comum deve ser informada ao médico responsável pelo acompanhamento pré-natal.
Nada de exagero
Excessos não são saudáveis em nenhuma etapa da vida. Quando tratamos de gravidez, a preocupação deve ser ainda maior, pois abusar na hora de comer alguma coisa, mesmo que seja um desejo de grávida, pode causar uma série de problemas. “Com moderação, até mesmo os desejos podem ser realizados. Está com vontade de comer chocolate? Sem problemas, contanto que a caixa inteira não seja devorada”, ensina Alexandre.
Abusos alimentares podem ocasionar diversos problemas às gestantes. Entre eles, estão o ganho excessivo de peso, o diabetes gestacional e a hipertensão. “É preciso ter cuidado com as famosas ‘besteiras’. Lembre-se de que, ao consumir uma comida não-saudável, a grávida se sentirá saciada e perderá a oportunidade de ingerir nutrientes essenciais para o desenvolvimento do feto”, recomenda Vaz. Quando a vontade chegar, vale se perguntar o que ela significa. “Algumas vezes, tal desejo é o que chamamos de fome emocional – podendo ser de carinho, atenção ou ansiedade, por exemplo. Comer traz uma sensação de prazer, mas não deve tapar nenhum buraco. Precisa-se ficar atento para não desenvolver uma compulsão alimentar”, finaliza Luciana.
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