Aconteceu com um casal pós-moderno, que vivia feliz sua vida a dois. Moravam juntos, eram bem sucedidos em suas profissões e tinham tempo para namorar, transar, estar com família e amigos. Estavam tão sincronizados, que um complementava o outro. Tempo bom esse...
Mas como tudo na vida do ser humano é impermanente, essa rotina foi se esvaziando, se esvaziando... e acabou ficando sem graça. Podemos dizer que nesse momento começavam a surgir os primeiros indícios de uma crise entre o casal.
A primeira a denunciar este vazio foi a mulher. A expressão do seu olhar para as crianças, denunciava claramente que ela já encontrara uma solução para preenchê-lo.
Pois bem, o fato de estarem sincronizados até ali, não serviu como garantia para que os dois vivenciassem, ao mesmo tempo, necessidades da mesma natureza. Não deu outra. Foi inevitável o desencontro. Mas como? Se estava tudo tão bem até ali! Formavam um casal tão incrível!
Mas aconteceu: na falta de espaço para discutirem a questão, ela literalmente colocou em prática seu desejo. Engravidou !
A partir daí, tudo mudou. A simples notícia da gravidez não planejada a dois inaugurou uma nova etapa: a das diferenças; quanto mais ela se abria para seu novo tempo de espera, curtia a gravidez, as transformações de seu corpo e fazia planos... ele, inversamente, se fechava ao impacto da surpresa e da notícia inesperada; sentia-se inseguro e despreparado para assumir a paternidade.
Os dois seguiram "empurrando com a barriga", na tentativa de acertarem. Porém, a distância entre eles foi aumentando e, à medida que ela se tornava mais confiante e sabedora dos seus desejos, o sentimento de incompetência dele tornava-se mais forte, a ponto de desconcentrá-lo. Passou a deixar "grandes furos" nos seus compromissos em geral. Com ela e com o filho, nem se diga... Não é que esqueceu que haviam combinado de irem juntos fazer a primeira ultra-sonografia?
Mas a reação foi imediata. Talvez a mesma que teriam outras grávidas diante de uma situação como essa: aliançou-se com o filho, fortalecendo-se assim contra o pai e começou a cobrar com a arrogância do medo da perda, tudo o que sentia ser direito seu e do filho: troca de apartamento, carro tamanho-família, participação na compra do enxoval, nas consultas médicas e até cursos para gestantes. Foi demais para ele...
Por força dessas circunstâncias, transformaram-se: ele, em homem isolado, inseguro e paralisado no tempo, sem conseguir acompanhar as mudanças; ela, aliançada com o filho, em uma mulher exigente e, até de certa forma, poderosa.
Haviam caído na armadilha invisível do relacionamento conflituoso. A crise que inicialmente se apresentava de forma velada, mas que já estava latente, com a falta de espaço entre o casal para discutir e planejar a vida a dois, apenas emergiu. Ficou cada um na sua e todas a vezes que tentavam conversar, acabavam em discussões com acusações mútuas. A solução que encontraram foi a separação, mas não vislumbraram outra. Na verdade, não conseguiam entender porquê estavam tão distantes... A saída dele de casa, acreditem, foi um impacto para os três, pai, mãe e filho.
Porém, nem tudo estava perdido, havia um outro lado da moeda. Eis que a separação, se por um lado estressou, por outro, trouxe uma liberdade inimaginável anteriormente, mas ao mesmo tempo contraditória e que possibilitou que, cada um ao seu modo, se deparasse com suas dificuldades pessoais.
O distanciamento proporcionou a ele o tempo necessário para se fortalecer e, à sua maneira, buscar segurança para entrar em contato com seu novo papel de pai. Contou com o apoio da família e dos amigos. A imagem do bebê em movimento, com o som das batidas do seu coração na ultra-sonografia, transformou-se num verdadeiro toque mágico que despertou-lhe a emoção da paternidade. O natural teria sido realizarem a dois, mas não haviam conseguido; ela saíra muito na frente...
Bem, voltemos à nossa grávida. Diferentemente para ela, o mesmo distanciamento fez surgir uma fragilidade até então desconhecida. Como enfrentaria a gravidez até o final sem seu companheiro? E quando o bebê nascesse, o que diria para ele? Conseguiria assumir sozinha a maternidade? Ser mãe solteira não era exatamente o que desejara.
A efemeridade do tempo é surpreendente; há chances que não voltam nunca mais. O momento exato e perfeito para a possibilidade do reencontro havia surgido: ele, fortalecido, desejoso de voltar; e ela, fragilizada, desejando que ele voltasse; ele, precisando conquistar espaço para reaproximação, e ela, precisando abrir espaço para ele chegar. O clima perfeito.
Os dois souberam aproveitar. E juntos, puderam preparar a chegada do bebê, retomando o processo de construção da relação do casal, agora com o novo status de pai e mãe.
Este casal conseguiu dar um salto na maturidade, avançando para uma nova etapa do seu desenvolvimento, em que se tornarão os responsáveis pela nova geração que está chegando. O processo pelo qual passaram foi decisivo para formar a complementaridade entre pai e mãe e resgatarem, assim, aquela sincronia que haviam atingido como homem e mulher. Seu momento pessoal e o ambiente favorável à sua volta, permitiu-lhes concentrar energias para a superação da crise.
Porém, nem sempre as circunstâncias se apresentam favoráveis em delicados momentos de transição como esse. E quando isso acontece, em se tratando da saúde da família, é de fundamental importância buscar a ajuda de um profissional competente, que irá ajudar a ultrapassar a etapa de maneira equilibrada.
Uma mudança e tanto! Mas é importante lembrar que ela apenas finalizou uma nova etapa de vida e que o nosso casal terá por vir tantas outras... Cada uma que se aproximar poderá provavelmente lhes causar impactos e surpresas e os obrigará a mudar sua maneira de ver, viver e de se relacionar com aqueles que estarão à sua volta.
Ana Silvia Teixeira e Vera Risi
Terapeutas de Família
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